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PRAGA

  • Foto do escritor: Noëlle Francois
    Noëlle Francois
  • 2 de out.
  • 6 min de leitura
Praga

A Europa, muitas vezes chamada de Velho Mundo por ser o berço de antigas civilizações, tradições e culturas milenares, reinventou-se e ganhou contornos modernos. Ainda assim, no âmago do continente, Praga permanece como um refúgio de nostalgia, onde o espírito medieval continua vivo em cada rua, praça e torres que se erguem contra o tempo. A cidade parece ter nascido de um sonho.

       

Assim que cruzo a fronteira, a estrada se transforma em um cenário de conto de fadas; pastagens verdes e pequeninas cidades ao fundo e os pensamentos se deixam levar pela calmaria. São quilômetros de cartão postal e a cada curva surge a vontade de parar e registrar tudo em fotos. Como se todo detalhe fosse único e digno de um clique.

      

Na primeira parada para um café, o sentimento de frustração por não entender absolutamente nada do que está escrito se impõe. Mas, com paciência e a ajuda do aplicativo Google Tradutor, pouco a pouco o idioma começa a se revelar, trazendo a sensação de descoberta.

        

Horas mais tarde, o caótico trânsito de Praga nos dá as boas-vindas. Antes de sair para desbravar essa cidade, a primeira providência é instalar Baloo e Suki em nossa residência provisória. Como já era tarde, nos limitamos a jantar, mas o restaurante escolhido é, por si só, uma relíquia preservada pelo tempo.

        

Ao cruzar suas portas antigas de madeira, com maçanetas de bronze e ferro fundido que mais parecem pequenas obras de arte, sou imediatamente transportada para outra época. Um clássico porta-chapéus nos recebe, e a imaginação ganha asas: homens de paletó e colete sob medida, talvez com um relógio de bolso, mulheres de vestidos de renda, veludo ou seda, cintura marcada por corsets e chapéus elegantes completando a cena. O olhar continua a viajar no tempo ao observar a imponência do teto trabalhado no estilo vitoriano e o chão amadeirado; cada detalhe sussurrando histórias de uma era passada. Meu jantar, nesse cenário, torna-se apenas um mero detalhe diante de tanta beleza e encanto.

      

O dia seguinte começa, e pela janela do apartamento um bom dia iluminado ao nosso vizinho, o Museu Nacional de Praga (Národní muzeum), o maior e mais importante museu da República Tcheca, de estilo neorrenascentista, o edifício é um dos símbolos arquitetônicos da cidade, lembrando que a história está sempre presente, mesmo no cotidiano moderno. A agenda está lotada, tantas coisas para fazer em tão pouco tempo.


Ao sair na rua, os bondes antigos em tons creme e vermelho, desfilam pelos seus trilhos contrastando com a modernidade de hoje. Cada detalhe – desde os faróis arredondados até os bancos de madeira polida –, exala a nostalgia de um tempo mais lento e elegante, transformando a cidade em um verdadeiro cenário cinematográfico.


Bondes Antigos de Praga

      

Enquanto caminho rumo à parte antiga da cidade, as ruelas de paralelepípedo, vielas estreitas e praças monumentais nos transportam séculos para trás. Na Praça da Cidade Velha, o tempo adquire outra dimensão: o Relógio Astronômico pulsa no coração da cidade. Construído em 1410, ele não marca apenas as horas, como os movimentos do Sol e da Lua, o calendário com meses e signos do zodíaco, e suas figuras animadas, incluindo os Doze Apóstolos, ganham vida a cada hora, atraindo turistas que se aglomeram por alguns instantes para admirar a obra-prima que une engenharia medieval e arte gótica.


Igreja de Nossa Senhora de Týn

     

Mais adiante, a Igreja de Nossa Senhora de Týn é a construção gótica mais emblemática da cidade, e domina a praça principal, ladeada de cafeterias e lojas que convidam a uma pausa e à contemplação. Ali, o tradicional passeio de carruagem ainda encanta turistas, que registram a cena em incontáveis fotos, como se fosse parte indispensável do encanto da cidade.

      

Mas por trás da aparência romântica esconde-se uma realidade cruel: cavalos submetidos a longas jornadas, puxando peso sob sol, frio e barulho incessante. Presos a freios que rasgam a sensibilidade da boca e a correias de ferro que marcam o corpo, eles carregam, além do peso imposto, uma dor silenciosa e constante. A agonia é visível no movimento incessante de suas bocas, numa tentativa inútil de expulsar o metal que os fere. As chicotadas, muitas vezes vistas como um gesto de condução, na verdade revelam a brutalidade de um método que impõe dor para obter obediência. O que para alguns é lazer, para eles é cansaço, desgaste e maus-tratos. Por isso, essa prática ultrapassada precisa ser urgentemente repensada e banida, colocando em primeiro plano o respeito à vida e ao bem-estar animal.


Felizmente, a cidade parece despertar para a consciência. Hoje já se pode ver uma alternativa criativa e charmosa: os tradicionais passeios estão sendo reinventados em carros antigos, que preservam o espírito histórico e proporcionam a mesma experiência encantadora, mas sem explorar animais; uma escolha que mostra que tradição e ética podem andar de mãos dadas. O verdadeiro progresso está em unir beleza, cultura e compaixão.


       

Embora vegana, pude provar o tradicional pão doce famoso nas ruas: Trdelník, de origem tcheca e eslovaca. Feito a partir de uma massa levemente adocicada, geralmente à base de água, farinha e fermento, embora algumas receitas incluam ovos e manteiga, ela é cuidadosamente enrolada em torno de um cilindro de madeira e girada lentamente sobre o fogo ou algo semelhante a uma churrasqueira, até dourar por igual.



Trdelník, de origem tcheca e eslovaca

     

Durante o cozimento, a massa é polvilhada com açúcar e canela, formando uma crosta caramelizada que estala suavemente ao toque. O resultado é um pão oco e leve, com casca crocante por fora e interior macio, perfeito para ser degustado quente, enquanto o aroma adocicado se espalha pelo ar.

       

Os recheios variam do clássico chocolate Nutella ao chantili, compotas de frutas e outras delícias, multiplicando as possibilidades de prazer. Provar um Trdelník é quase um ritual: observar a massa girar no cilindro, sentir o cheiro que envolve a praça e saborear cada mordida é uma experiência que une tradição, arte e sabor. A verdadeira essência da cultura local.

       

E, para minha alegria, consegui encontrar a versão vegana da massa, escolhendo como recheio maçãs cozidas, que deram um toque suave e aconchegante a essa deliciosa experiência, acompanhada de um capuccino quentinho.

        

Para terminar o dia com chave de ouro, uma caminhada pela Ponte Charles, que se estende sobre o rio Vltava, é mais do que uma passagem entre margens; é um museu a céu aberto, onde cada pedra e cada arco contam séculos de história. Ao caminhar por ela, somos rodeados por estátuas imponentes de santos e figuras históricas, esculpidas em pedra e detalhes em bronze, que observam silenciosamente o vai e vem dos visitantes, como guardiãs de memórias e lendas.


Ponte Charles

        

O charme não se limita às esculturas: caricaturistas e artistas de rua se acomodam entre os pilares, oferecendo retratos divertidos e lembranças singulares. Seus desenhos rápidos e expressivos transformam os turistas em personagens temporários da cidade, enquanto suas mãos ágeis e criativas dão vida à ponte de uma maneira nova a cada dia.



Artista na Ponte Charles

       

Sem perder a oportunidade, abordei um deles e, com o celular na mão, perguntei sobre a possibilidade de fazer algo com a foto do Baloo e da Suki. Nenad Vitas, um senhor de estilo único com seu chapéu, começa em uma folha em branco a dar vida aos dois. Curiosos param para espiar, enquanto estamos em um bate-papo animado. No meio da conversa, descobrimos um pouco mais sobre ele: cidadão sérvio, vive há cinco anos na República Tcheca e encontrou na ponte não apenas um trabalho, mas uma forma de se conectar com o mundo. São encontros assim, simples e inesperados, que revelam a verdadeira grandiosidade das viagens.

        

Ao fundo, um festival sonoro ganha forma, vindo de músicos espalhados pela ponte, cada um com seu instrumento, criando uma melodia única que se mistura ao pulsar da cidade.


Praga não é apenas um destino a ser visitado, é uma experiência a ser vivida com todos os sentidos. Ela é música e melancolia, é o lirismo de Dvořák e o universo sombrio de Kafka; é o encontro entre o místico e o real. Sua aura enigmática se entrelaça com histórias de alquimistas, lendas judaicas, e com a atmosfera quase mágica que emana de suas construções seculares. Conhecida como a “cidade das cem torres”, revela em cada esquina uma mistura fascinante de estilos, do gótico ao barroco, passando pelo renascentista, o art nouveau e até o ousado cubismo. A cidade convida tanto à contemplação silenciosa quanto à celebração da vida: nos cafés históricos que guardam segredos de escritores, nas tabernas sempre vibrantes e nas noites que parecem não conhecer o fim.

 

 

Consultoria e Revisão: Arthur Barbosa

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