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NEW YORK 

  • Foto do escritor: Noëlle Francois
    Noëlle Francois
  • há 3 dias
  • 8 min de leitura


Esquilo em Central Park

    

New York é um dos meus lugares preferidos, afinal, é mais do que um destino no mapa: uma cidade que pulsa de um jeito próprio, vibrante, cheia de energia e charmosa nos seus detalhes simples, como os cafés ou o som distante de um saxofone no metrô. Caminhar por suas ruas é sentir a vida acontecendo em todas as direções ao mesmo tempo. Não deve ser observada de longe. Ela se vive. Se respira. Se sente.


New York

 

Minha primeira visita foi em grande estilo: correndo sua glamourosa maratona. Foi como atravessar a alma da cidade usando o próprio corpo como bússola. Tudo começou em Staten Island, com aquele friozinho na barriga que se espalha feito wi-fi entre milhares de atletas. Todo mundo alinhado, respirando fundo, fingindo calma enquanto pensava: “Como é que eu fui parar aqui?”. Ali, entre o anúncio da largada e o primeiro passo, eu sabia que estava prestes a viver não só uma corrida, mas uma experiência que só Nova York sabe proporcionar: intensa, vibrante e frenética… do jeitinho que eu gosto.

 

O percurso foi um convite para senti-la em cada batimento. No Brooklyn, a energia era calorosa, e todos os moradores eram pura simpatia. Eles montaram mesas improvisadas com água, frutas e biscoitos – verdadeiros banquetes nas calçadas — e crianças distribuíam copinhos de limonada com a solenidade de quem entrega medalhas olímpicas. Era impossível não sorrir.

 

No Queens, a diversidade pulsava. Grupos de espectadores surgiam do além pelos cantos, cada um curtindo a maratona ao seu próprio estilo — parecia até festa de família, só que com desconhecidos e muito mais barulho. E quando, de repente, um gigante aparelho de som liberou Gloria Gaynor no último volume com o poderoso I Will Survive, senti minhas pernas ganharem um fôlego que eu nem sabia que existia. Juro que por um segundo, achei que estava num clipe motivacional feito sob medida para mim.

 

As pontes traziam mensagens gigantescas penduradas pela prefeitura. Pareciam falar direto ao coração. Duas, em particular, nunca esquecerei: “Hoje vocês estão correndo 42 quilômetros. Muitos não farão isso nem de carro”. E, quase no final, quando o corpo pedia para parar: “Parabéns. Continue. Manhattan está te esperando para um grande abraço”.

 

Do Bronx, vinha um coro humano que levantava qualquer alma cansada. Gritos, risos, tambores, palmas ritmadas... parecia que cada morador empurrava nossos passos para frente. E então, como um acalanto depois da tempestade, Central Park apareceu: verde, vivo, imenso. A chegada não era apenas o fim da corrida, mas uma consagração.

 

Para quem não sabe, devido a uma lesão no joelho, corri essa maratona na cara e na coragem, já que treinar mesmo ficou só na teoria. As dores não me deixavam correr um único dia. Mas, desafiando o bom senso, lá fui eu, repetindo mentalmente: “Depois o ortopedista dá um jeito…”.

 

E o mais divertido? Meu marido, que treinou como um insano e sonhava com tempos épicos, acabou ficando para trás. Eu, toda avariada, movida a teimosia e adrenalina… cheguei antes dele!

 

E o gran finale? No dia seguinte, lá estava meu nome estampado no The New York Times. Sim, eu mesma — impressa, oficializada, uma prova de que a cidade me adotou por 42 quilômetros, quase uma cidadã honorária por mérito de suor e emoção. Um troféu de papel, desses que ninguém tira; que reluz na memória como uma vitória.


Maratona em New York

 

Sempre que estou por lá, faço questão de viver a cidade como ela merece: de dentro. Não apenas passando, mas sentindo. Em uma das vezes, fui assistir a um jogo no Madison Square Garden, queria conhecer esse templo onde a história parece ecoar nas paredes. E ali, bem diante de mim, estava Joe Frazier, a lenda do boxe, sentado em sua cadeira cativa na primeira fila. Não era apenas um espectador, mas o homem que, naquele mesmo lugar, protagonizou a Luta do Século, em 1971, contra Muhammad Ali.

 

Impossível não sentir o peso do tempo. A reverência silenciosa que aquele assento carregava, como se o cenário precisasse de um toque cinematográfico final, Kevin Bacon também marcou presença.


 

Outra parada obrigatória para mim é Broadway e seus teatros. Pouco importa se a agenda está cheia ou se o dia foi longo, à noite, dou um jeito de estar diante de um palco. Quando soube que Tom Hanks estaria em cartaz, comprei o ingresso sem nem piscar.  Primeira fileira, obviamente, porque não iria arriscar ficar atrás de uma cabeleira monumental que viraria minha inimiga estética do dia. E olha… acho que nem respirei direito durante a apresentação, de tão hipnotizada. Tom Hanks, de carne e osso, ali na minha frente, e eu só queria que o tempo desacelerasse, ou que alguém inventasse um botão de pausa só para esse momento.     

 

Mas não parou por aí. Em outra viagem, descobri que Samuel L. Jackson também estava se apresentando. Lá fui eu. A peça era com ele e Angela Bassett interpretando a vida de Martin Luther King, foi simplesmente arrebatadora. Ao sair do teatro, encontrei a calçada tomada por seguranças, alambrados e duas SUVs pretas. Algo grande estava prestes a acontecer. Perguntei a uma senhora e ela me contou que Samuel sairia a qualquer momento. Ficamos conversando quando, de repente, mais grades foram colocadas e... eu fiquei presa dentro da área VIP improvisada!

 

Então ele apareceu e parou bem na minha frente. Num segundo, eu me tornei sua assistente de autógrafos: pegava papéis do público e o entregava, recebia de volta e passava adiante. Eu me achava parte do elenco.

 

Quando Sr. Jackson terminou, caminhando para ir embora, meu coração acelerou em pânico! Instintivamente gritei: Ei! Você não autografou o meu! Os momentos seguintes foram como câmera lenta. Ele se virou, abriu um largo sorriso, e cheio de carisma se voltou a minha direção.


Show Broadway

 

Dispensa dizer que cada cartão-postal de New York guarda um rastro meu. Caminhei pela cidade como quem coleciona histórias, subindo e descendo avenidas, observando a dança entre o concreto e o céu. Entre todos esses lugares, há um que deixou uma marca diferente: as Torres Gêmeas. As conheci quando elas se erguiam imensas, tão altas que pareciam querer tocar o infinito. E estive lá depois, quando o silêncio ganhou outro peso; o vazio onde antes havia altura virou memória. Ali, o tempo parece se comportar de modo diferente, como se cada passo fosse uma conversa com quem já não está mais. Fiquei parada, olhando, sentindo. Foi como perceber que cidades também guardam cicatrizes, e que, apesar delas, continuam vivendo, respirando. Se reconstruindo.

 

Mudando para um cenário mais festivo, vamos às feiras de Natal. A mais encantadora delas é a Bryant Park Winter Village. Imagine pequenas casinhas de madeira iluminadas, como um vilarejo encantado brotando no meio dos arranha-céus. E dentro delas, artesãos, confeiteiros e criadores de todas as partes vendendo pequenas magias: velas perfumadas com cheiro de pinho e laranja, xícaras de cerâmica feitas à mão, gorros tricotados com carinho. O ar é tomado pelo aroma de canela, chocolate e pão doce quente. Há algo de íntimo nesse lugar, como se a cidade inteira respirasse memórias.

 

Caminhando um pouco mais, o coração brilhante da temporada: a árvore de Natal do Rockefeller Center. Não importa quantas fotos já vimos, estar diante dela é surreal. Tão imensa e luminosa, como se tivesse roubado para si todas as estrelas. Turistas, nova-iorquinos, crianças, idosos, gente de todas as partes param e a admiram.

 

Ao lado, o icônico rinque de patinação. Pessoas deslizam sobre o gelo, algumas com elegância, outras tropeçando entre risadas, mas todas com a mesma expressão encantada. Há mãos que se procuram, abraços que se formam, quedas que terminam em gargalhadas compartilhadas. Não é sobre patinar bem. É sobre sentir-se dentro de um filme que você sempre quis viver.

 

Nesse clima, a cidade se veste de sonho: luzes, laços e lembranças que nos levam de volta ao doce brilho dos contos de fadas que um dia acreditamos. E que talvez, ainda queremos acreditar.

 

Como o ritual de inverno pede aconchego, ela nos presenteou com chocolate quente. Em cada quiosque, café ou barraca da feira, havia uma variação do mais simples ao mais cremoso. Mas todos com a mesma promessa: aquecer o corpo e acalmar a alma. Os marshmallows derretiam devagar, formando pequenas nuvens doces que se transformavam em conforto líquido. Saboreá-lo nesse período que antecede o Natal era quase um ato poético; é como segurar o calor nas mãos enquanto o mundo lá fora brilha gelado.

 

Nem só de iguarias natalinas eu me contento. Para mim, que transformo cada viagem em expedição gastronômica, não poderia deixar de mencionar Little Italy. Aquele pedacinho delicioso de New York, onde parece diminuir o ritmo só para deixar a alma italiana brilhar e esbanjar a hospitalidade que só eles sabem oferecer. As ruas são estreitas, de gente falando alto com as mãos e aquele cheiro de massa fresca que faz qualquer dieta perder a dignidade – obviamente, os cannoli são estrelas absolutas. Um microcosmo de energia gostosa, uma mistura de caótica com nostálgica.

 

E, claro, eu, fiel defensora da culinária vegana, sempre dou um jeito de encontrar minha tribo: uma fatia generosa de vegan cheesecake de limão, tão cremosa que até a nonna aprovaria – mesmo fazendo o sinal da cruz primeiro.

 

Para mim, que sou meio bicho do mato e me sinto mais eu quando estou cercada de árvores do que de semáforos, ela me conquista até onde eu achava que fosse impossível. Quem me conhece, sabe: antes do dia começar, preciso treinar. Por lá, meu ritual sagrado é correr pelo Central Park, um pedaço de natureza que respira como um pulmão silencioso cercado de arranha-céus. A vida acontece sem pressa, a fauna é um espetáculo diário, mas só se revela para quem olha com calma. É ela lembrando, delicadamente, que mesmo no meio de tanto movimento, ainda existe espaço para relaxar.


 

Os esquilos-cinzentos são meus anfitriões. Atravessavam caminhos, subiam árvores, disputavam amêndoas imaginárias e pareciam sempre apressados, como se também tivessem reuniões na Quinta Avenida. Eles sempre dão ao parque uma sensação de movimento constante, quase como risadas correndo entre as folhas.

 

No alto das copas, a vida se colore. O cardeal vermelho acende o verde com um brilho que parece pintado à mão. Já o blue jay, com seu azul intenso, parece carregado de céu. E quando chega a primavera ou o início do outono, o parque vira ponto de descanso para aves migratórias. É como se o mundo inteiro passasse por ali. Asas cansadas encontrando abrigo no meio da cidade.

 

Perto dos lagos, o ambiente muda: patos selvagens, gansos canadenses e até garças caminham com a calma de quem não tem pressa nenhuma. Eles convivem conosco, os turistas, corredores e casais sentados nos bancos como se tudo aquilo fosse uma cena comum, e de fato é. O mais curioso é como todos parecem saber que aquele espaço é um pacto sagrado entre cidade e natureza.

 

Ao cair da tarde, outros habitantes assumem o turno. Morcegos começam a riscar o céu com voos discretos. Às vezes, um guaxinim aparece entre as sombras, com aquele olhar atento de quem conhece os segredos depois que o sol se esconde.

 

De tempos em tempos, até visitantes inesperados aparecem: os coiotes que atravessam pontes durante a madrugada; corujas que se tornam famosas e ganham fãs. Tudo isso no coração de uma das maiores cidades do mundo.

 

No fim das contas, é isso que New York faz comigo. Ela me surpreende, acolhe e emociona. Já a vi grandiosa, iluminada, barulhenta, vibrante. Já a senti silenciosa, reverente, marcada pela ausência.

 

Dei passos que atravessaram seus cinco bairros, corri pelos seus parques, me misturei à sua arte, me emocionei nos seus palcos. Vi lendas de perto, toquei histórias vivas, respirei o tipo de energia que só existe ali, um encontro improvável entre intensidade, poesia e realidade.

 

E, ainda assim, toda vez que retorno, parece que estou chegando pela primeira vez. Ela nunca se esgota. Está sempre se reinventando e, de algum modo, me reinventa junto.


New York

Consultoria e Revisão: Arthur Barbosa.

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