LENÇÓIS MARANHENSES
- Noëlle Francois

- 28 de ago.
- 6 min de leitura

Atenção, tripulação da aventura! Portas em automático. Apertem os cintos! Nosso destino hoje é de cair o queixo: dunas branquinhas, lagoas azul-turquesa e um sol que brilha como se fosse dono do pedaço. Bem-vindos aos Lençóis Maranhenses.
Dessa vez, ficamos em território nacional e fomos explorar esse lugar paradisíaco, que, com razão, foi tombado pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade. A viagem até lá já uma grande aventura digno de filme.
Baloo e Suki a tira colo, saímos de casa as sete da manhã rumo ao aeroporto, para, então, vencermos a primeira etapa com quase quatro horas voando por esse Brasil afora. Em solo maranhense, pensamos: “Agora vai!”. Ledo engano. Vinha aí a fase dois: meros 240 quilômetros de carro. Você deve estar aí pensando, isso é moleza. NÃO! As estradas estão longe de serem dadivosas, então põe aí cinco horas curtindo o mundo da restinga. Resumo da ópera: entre infinitas horas, onde nosso destino parecia não chegar nunca, vários lanchinhos dentro do carro (porque não pense você que na estrada tinha comida vegana para a milady que vos fala), chegamos no nosso provisório Lar Doce Lar, as sete da noite. Ufa!

No modo “anda que atrás vem gente”, no dia seguinte com o sol ainda espreguiçando no horizonte, começaram nossas expedições por esse deserto repleto de água. Embora a cidade de Barreirinhas seja uma das portas de entrada do Parque Nacional, para chegar até as dunas é uma hora de sacolejo no jipe, mesmo com a mordomia do ar-condicionado e assentos confortáveis, essa vida de viajante não foi fácil.

Essa parte do dia também tudo é muito especial, pois nem só de paisagens tipo cartão postal são feitos os Lençóis. Pudemos aprender muito em relação a comunidade que vive nessa região isolada. Sem eletricidade convencional, cada casa tem, disponibilizadas, pelo governo quatro placas solares, um pouco de progresso chegando devagar. As moradias variam: algumas de tijolos, outras apenas uns gravetos delimitando as paredes e teto de sapé. A escola, uma edificação singela, é do tipo que junta de uma só vez as crianças de todas as idades, para o aprendizado. Um mundo simples, mas cheio de histórias para contar.
Enquanto não chegamos nas Dunas, eu ia perturbando o motorista, pedindo para que parasse cada vez que via um animal no caminho. O primeiro da lista foi um quati. Medroso, logo se escondeu, então vocês vão ficar sem fotos dele. Mas, mais adiante, uma cena digna de fazendinha: mamãe porca dando de mamar para seus insaciáveis rebentos. Na sequência, um grupo de simpáticos cabritos, um veio todo sorridente me dar um oi. Detalhe, gente: vocês não estão aí imaginando que eu fui fazendo as fotos da janelinha do carro, né? Minha missão era vivenciar isso de pertinho, pois bem... foi um verdadeiro entra e sai sem fim do jipe. Meu guia Meydson Gabriel devia estar pensando: “Que tanto essa louca faz foto de bicho? Ela não veio aqui ver as dunas? Cada turista doido”.
Um analgésico mais tarde para minha coluna e várias fotos pelo caminho, chegamos ao destino tão esperado. De cara, nada de cenário cinematográfico, basicamente só vegetação. Daí é preciso subir uma rampa arenosa, e lá estão elas nos esperando, as esplendorosas dunas feitas de areia que mais parecem um talco de bebê.

Do alto de uma delas, uma vista que se estende por quilômetros de uma beleza rara, algo que transcende meu poder de descrição. Embora já tivesse visto várias fotos, nada foi suficiente para me preparar. Ao me deparar com elas fiquei paralisada. Tudo o que via me parecia surreal. Em termos de beleza natural, arrisco dizer que nunca vi algo tão arrebatador. Os ventos, sempre presentes, nos lembram de seu papel em esculpir-las continuamente, remodelando a paisagem com sua dança constante.
Começamos a caminhada por ela, sempre descalços. Cada passo nos afundada até o meio da canela, outra sensação peculiar e positiva. Logo chegamos a uma das lagoas, com um verde esmeralda que contrasta com aquele universo branco. Não pensei duas vezes: fui mergulhar naquelas águas de temperatura perfeita. Claro... fotos, muitas fotos!

Moçada, explicação importante! Resolvi viajar em agosto, embora seja o momento em que os lagos começam a secar. Fugia, literalmente, da insanidade de centenas de turistas que visitam a região de uma só vez, disputando a melhor foto para o Instagram. E, de quebra, fiz os tours de forma privativa, o que me permitiu ir ao contrafluxo dos que tiveram a mesma ideia que eu. Juro, tinha certeza de que haviam fechado o parque nacional só para mim. Praticamente sem ninguém por perto, cada parada se tornou ainda mais memorável. Um Lençóis Maranhenses para chamar só de meu.
Continuando! Entre uma lagoa e outra parada para almoçar. Os “restaurantes”, simples e literalmente pé na areia, me surpreenderam por sempre terem algo vegano para adaptar meu cardápio. E olha eu tinha levado, só por precaução, uma espécie de lancheira emergencial, que por fim, ficou intocada. Me deleitei comendo como uma rainha.
E a rotina seguiu nesse ritmo: visitar lagoas, percorrer dunas, clicar fotos como se cada um deles fosse premiado… e repetir tudo de novo, porque nunca é demais se sentir protagonista do próprio catálogo de viagens!
Aflorando meu lado Indiana Jones, percebi que dirigir pelas dunas era algo suave, e decidi me aventurar nos assentos externos do nosso jipe. Foi uma das melhores escolhas que já fiz: sentir o vento, o calor e contemplar aquela imensidão, absorvendo cada instante, fez com que eu me sentisse menos visitante e mais parte integrante do cenário. Uma conexão sublime com aquela natureza silenciosa e profunda.
Tudo nessa viagem tinha sempre um algo a mais, a ser explorado, dessa vez, foi Atins. Um pacato vilarejo de pescadores de ambiente rústico perfeito para quem quer relaxar e se desligar da rotina. Sua simplicidade abriga a grandiosidade de lagoas, rios tranquilos, manguezais e praias desertas, transformando cada instante um convite à contemplação. Amantes de esportes de aventura, se esbaldam praticando kitesurf e windsurf, pois o local reuni fortes e constantes ventos.

Os dias foram passando e a agenda intensa. Trocamos o jipe por uma voadeira, um barquinho simplório de alumínio, esguio e ligeiro, que desliza pelas águas com facilidade. Se adaptando aos turistas urbanos, um toldinho modesto para proteger do sol. Hora de desbravar o rio Preguiças. Assim que o passeio começou atravessando manguezais, restinga e dunas, já dava para saber que o dia não seria fácil. Minha embarcação pulava intensamente dando fortes trancos contra a água. Que sufoco!

Primeira parada, quase ensandeci de tanta empolgação: Base de Pesquisa Primatas de Manguezal Mandacaru. Mal cheguei, e os macacos prego, anfitriões super atrevidos, foram chegando sem pedir licença para me recepcionar, com seus olhares maliciosos querem saber o que tenho para oferecer. Ágeis e ligeiros, sem precisar de permissão, vão se apropriando de comes e bebes que nós, humanos descuidos, trazemos, e partem faceiros entre os galhos com um olhar risonho que compunham um espetáculo irreverente. Quem disse que, no final da visita, eu queria vir embora? Por mais que tenhamos ficado um tempão nesse local, para mim, obviamente, não foi suficiente.
O dia continuou cheio de atividades: subimos ao Farol do Rio Preguiças, passeamos entre o colorido do comércio de artesanato no cais de Mandacaru, exploramos o imponente parque eólico da região e, para fechar o dia com muita diversão, aceleramos de quadriciclo pelas areias da praia de Caburé; um verdadeiro roteiro para quem gosta de sentir o vento no rosto e a adrenalina na medida certa.
Não deixei nada escapar nessa viagem. Tinha uma vasta lista de coisas imperdíveis, e entre elas, conhecer os Lençóis Maranhenses lá do alto, no sobrevoo em um desses minúsculos aviões. Chegando no aeroporto* de Barreirinhas, fui conduzida pela pista até minha aeronave. Confesso que senti um frio na barriga sentada ao lado do piloto, afinal, a simplicidade do meu novo meio de transporte não inspirava muita confiança. Esse aeroporto não vê avião comercial nem de longe. Só pousam os mais abastados com seus jatinhos particulares e, claro, os intrépidos “teco-tecos” dos voos panorâmicos, como esse que encarei, com coragem e um frio na barriga.

Em poucos instantes, suavemente levantamos voo, e tudo começou a ficar pequenininho lá embaixo, enquanto os olhos absorviam a grandiosidade da beleza do cenário. Fechei a viagem com chave de ouro, dando lá do alto um último adeus às dunas, lagoas, oásis e o rio Preguiças que serpenteia esse paraíso. Missão cumprida!
Embora eu saia maravilhada desta viagem, não posso deixar de me preocupar com o boom turístico da região. Pesquisas indicam que, em 2021, o número de visitantes era de 280 mil, e hoje, já passou para 480 mil. Embora esse aumento aqueça a economia, os impactos negativos são evidentes. Moradores e guias relatam superlotação, expansão desordenada de construções em áreas sensíveis, muitas delas irregulares, e um desmatamento desenfreado. A especulação imobiliária, o desrespeito ao Parque, turistas desconectados da proposta dos passeios, mudanças climáticas e o descarte irresponsável de lixo, agravam a situação. A biodiversidade está fortemente ameaçada. Se nada for feito, futuras gerações conhecerão esses lugares apenas por fotos; testemunhos de um tempo em que a natureza ainda mantinha sua grandiosidade.

Baloo e Suki permaneceram sempre no conforto do lar, mas na minha imaginação eles correram livres, se divertindo sem limites pelas dunas douradas.
Consultoria e Revisão: Arthur Barbosa











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