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ILHABELA

  • Foto do escritor: Noëlle Francois
    Noëlle Francois
  • 18 de jul.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 28 de ago.

Ilhabela e a cachorrinha Nina que mudou tudo
Nina

Tenho levado vocês para os quatro cantos do mundo, mas hoje o destino é bem mais próximo: aqui em casa mesmo! E convenhamos: se é para ficar por perto, que seja em Ilhabela, paraíso em forma de ilha. Vem comigo!

 

Cachorro é tudo de bom — disso ninguém discorda — e a Nina me presenteou com uma daquelas histórias que merecem virar crônica de livro.

 

Toda quinta, quando estou no Brasil, tenho um compromisso quase religioso: jantar em meu restaurante favorito. Se você quiser me encontrar, é só dar uma passadinha por lá nesse dia. Mesa cativa, área externa, brisa do mar e, claro, na época em que narro essa história, sempre acompanhada das minhas fiéis escudeiras, Pipoca e Pulguinha.

 

Naquela noite, tudo ia bem — até ser incomodada. Na mesa ao lado, um casal jantava tranquilamente com sua cachorra solta, que desfilava livre pelo restaurante. E lá estava eu, fritando os dois com o olhar e pensando: “É por causa de gente assim que depois proíbem as minhas! Cadê o bom senso? Quanta folga!”

 

Minha indignação estava tão estampada no rosto. De repente, o casal me olhou e disse: “Linda ela, né?  Veio nos seguindo pela rua até aqui”.


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Ops! Moral da história: não julgue um livro pela capa; muito menos humanos por seus cachorros sem coleira. A tal cachorrinha era, na verdade, uma moradora das ruas. E eu, ali, pagando de fiscal do bom comportamento canino. Diante disso, como já sou íntima da casa, fui até a cozinha e pedi ao chef um pratinho especial para ela. Com a panelinha em mãos, conduzi minha nova amiga até o estacionamento. Ela devorou tudo, me lançou um olhar que dizia “valeu, humana” ... e seguiu seu caminho, como quem tem o mundo inteiro para explorar.

 

Uma semana depois, já no finalzinho do meu treino de corrida, eis que surge uma corredora de quatro patas, que sem cerimônia, colou no meu lado e resolveu me acompanhar até em casa como se já fôssemos duplas há anos.

 

Chegando, fui direto pegar água para ela. Justo, né? Correu comigo, merecia uma hidratação decente. Enquanto ela bebia como quem acabou de cruzar a linha de chegada de uma maratona, meu marido apareceu na porta com cara de quem já tinha visto esse filme antes e mandou: “Ela te achou e veio com você?”.


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Eu, ainda ofegante e com o cérebro em modo “pós-treino exausta”, só consegui soltar um confuso: “Hein?”. Vendo minha cara de interrogação, ele riu, apontou com a cabeça e me lembrou: “É a cachorrinha do restaurante!”.  Não é que era ela mesmo.

 

Dispensa dizer que foi oficialmente convidada a entrar e se instalar conosco. Pipoca e Pulguinha, as anfitriãs caninas, a observavam com olhares desconfiados, um misto de “quem é essa intrusa?”.

 

O dia passou tranquilo, como se ela sempre tivesse feito parte da casa. À noite, improvisamos uma caminha. O que faríamos dali para frente? Não sabíamos. Era tudo novo. Um passo de cada vez, como nas boas corridas.


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Na manhã seguinte, saí para passear com as três — sim, três! — e foi aí que a vida daquela cachorrinha ganhou uma reviravolta daquelas dignas de tramas de filme de Hollywood.

 

Como eu não tinha uma coleira do tamanho apropriado, improvisei: um laço, uma cordinha, um “jeitinho”. Ela, claro, achou estranho estar presa, mas seguiu firme. Assim que chegamos a um lugar seguro, a soltei: “Vai, aproveita a liberdade!”. E ela… aproveitou, disparada feito uma doida varrida.

 

Lá no fim da rua, vinha em nossa direção um grupo de pessoas. Dava para perceber de longe amigos animados, energia lá em cima, estilo de caminhada com risadas e vinho branco no final.

 

Mas o que realmente me chamou atenção foi uma mulher do grupo — uma presença magnética. Negra, alta, esguia, com um lenço colorido no cabelo que transformava cada passo em desfile. Braceletes, colares, brincos… tudo nela exalava charme e uma sofisticação que dava vontade de aplaudir em pé. Fiquei ali, parada, fascinada por aquela beleza exótica e natural, quando, PÁ!, minha contemplação foi brutalmente interrompida: a cachorra pulou em cima dela. Sim, EM CIMA! Duas patas no peito da mulher. Que vergonha! Corri na hora para me desculpar, querendo cavar um buraco e me enterrar com a coleira improvisada e tudo.

 

A moça, meio sem entender, olhava a situação como quem tenta decifrar uma peça de teatro experimental. Já o rapaz ao lado – que depois descobri ser o Chico, seu marido –, estava absolutamente hipnotizado pela cachorra. Amor à primeira.

 

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Logo descobri que o grupo animado era um time de amigos que se reencontra anualmente na casa do meu vizinho. Nada mais, nada menos que a crème de la crème da Universidade de São Paulo. Hoje, todos profissionais renomados, com títulos que dariam inveja até em curriculum de astronauta da NASA. Sério, me senti tão intimidada que quase fiz reverência, tipo daquela que se faz para reis e rainhas.

 

Entre uma conversa e outra, o casal começou a elogiar a beleza da cachorra. Sem pensar duas vezes, soltei: “Quer adotar? Não é minha”.

 

Eu podia ver o brilho nos olhos do Chico. Valéria, a mulher elegantérrima, hesitou: “Ai, não podemos… estamos só de visita, e nem estamos de carro”. Mas eu estava possuída. Tomada por um espírito vendedor de fim de mês, respondi com a agilidade de quem precisa vendar urgente para bater meta: “Amanhã vou pra São Paulo, eu levo! Só me passar o endereço”.

 

Sim, eu mesma, fazendo delivery de cachorro. Eles trocaram um olhar cúmplice, sorriso nos lábios e… sinal verde. E foi assim que, de uma improvisação com cordinha, nasceu uma história com final feliz.


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Chegando em casa, comecei os preparativos para o grande dia. Primeiro, um banho revigorante na protagonista digno de spa, com direito a massagem nas orelhas e tudo. Enquanto ela relaxava, eu… não. Passei o resto do dia inquieta, com aquele pressentimento clássico de quem acha que a qualquer momento vão bater na porta e dizer: “Então... pensamos melhor... não vai rolar”.

 

Mas não. Vieram apenas se despedir, sorridentes, confiantes, passando os últimos detalhes do encontro no dia seguinte. Tudo certo. Até demais, eu pensava. E quando está tudo assim tão certinho, é aí que o universo gosta de testar a gente.

 

A viagem para São Paulo foi tranquila. Como planejei entregá-la depois do almoço, achei prudente levá-la ao veterinário antes. Afinal, ela tinha umas manchas no corpo que me intrigavam. Coisinha boba, pensei. Talvez uma alergia. Um estresse. Mal sabia eu.

 

O veterinário examinou, fez uma pausa dramática (que podia muito bem ter uma trilha sonora de suspense), e largou: “É sarna”.

 

Sarna. S-A-R-N-A.

 

Por um segundo, tudo girou: o consultório, chão, o universo. Era como se eu tivesse sido empurrada num poço sem fundo de desespero silencioso. Como vou contar para aquela mulher chiquérrima dos Jardins que a nova integrante da casa está cheia de sarna? E o Chico? Médico formado pela USP! Ele vai ficar furioso comigo!

 

Eu estava praticamente em transe, dali para frente, até chegar no apartamento deles, fiz tudo como se estive no piloto automático: corpo presente, mente em pânico, tentando pensar em maneiras elegantes de dizer “sar-na”.


Valéria
Valéria

  Ao chegar, fui recebida de maneira muito entusiástica. Valéria me recebeu como se fôssemos amigas de infância: “Aceita um café?”. Pausa. Eu não gosto de café puro, mas eram quase duas da tarde, eu tinha comido pela última vez as quatro da manhã. Então aceitei. E enchi a xícara com uma quantidade absurda de açúcar para enganar a fome. O que a gente não faz por um bichinho...

 

Enquanto tomávamos o tal café açucarado com aroma de angústia, percebi que no canto da sala já havia uma caminha impecável à espera da nova moradora. E não é que ela foi direto para lá! Deitou já se sentindo dona do pedaço, soltou um suspiro e dormiu. Pronto!

 

Mas ainda faltava o gran finale: contar sobre a sarna.

 

Respirei fundo. Tentei começar sutilmente, com a voz completamente inaudível expliquei que ela era perebenta. Mas não teve jeito. Tive que arrancar o band aid de uma vez: “Então... levamos ao veterinário e... bom, ela está com sarna.”

 

  Valéria me olhava, e meros segundos — pareceram infinitas horas. Mas então ela sorriu: “Fica tranquila! O Chico é médico. Ele resolve isso com o pé nas costas”. 


Chico e Nina*
Chico e Nina*

Nesse momento, eu quis me ajoelhar e agradecer à santa padroeira dos protetores de animais e dos veterinários. Mantive a compostura por fora, claro, mas por dentro eu estava desabando de alívio em câmera lenta. Dali em diante, a conversa fluiu leve, recheada de risadas e afinidades descobertas. E ali, naquela tarde despretensiosa do mês de maio, nascia uma amizade daquelas raras que a gente sabe, no fundo, veio para ficar.

 

Ela viveu com eles por cerca de quinze anos. Foi mimada com gosto, amada com intensidade, tratada como rainha e, acima de tudo, reconhecida como parte essencial da família. Em troca, trouxe amor, alegria e lições silenciosas que só os animais sabem ensinar.


Em agosto de 2024, Nina partiu. Deixou uma história daquelas que aquecem o coração, feita de encontros improváveis, afeto sincero e laços que nem o tempo é capaz de apagar.


Dona Dirce
Dona Dirce
Dona Dirce é daquelas pessoas que desafiam qualquer definição. Mulher de fibra, coragem incansável e coração gigante — uma força da natureza enviada pelo Universo.

*Acreditem se quiser: o Chico não tem uma única foto com a Nina! Entrei em choque ao saber, mas graças às modernices da Inteligência Artificial, conseguimos um milagre digital!



Consultoria e Revisão: Arthur Barbosa

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