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NICE

  • Foto do escritor: Noëlle Francois
    Noëlle Francois
  • 26 de jun.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 18 de jul.

Tartarugas em Nice

Quem me conhece sabe: Nice é minha segunda casa.

 

Mas engana-se quem pensa que o encanto desta cidade se resume ao azul hipnotizante do Mediterrâneo. Nice é alma vibrante, poesia em fachadas antigas, arte em cada esquina, história pulsando sob o sol da Riviera Francesa.

 

Este cantinho elegante do sul da França é onde a cultura se mistura com o mar. Cada caminhada revela um novo detalhe e, em uma charmosa praça, o tempo parece desacelerar.

I Love Nice

 

E embora este espaço no site seja dedicado aos animais incríveis que cruzam meu caminho pelo mundo, hoje o protagonista é outro: o Oceano e sua vida marinha. Isso porque, essa semana, Nice se torna palco de um evento crucial: a Conferência das Nações Unidas para o Oceano, que reúne representantes de mais de 120 países em uma conversa urgente sobre o futuro dos mares. É lindo ver essa cidade que tanto amo se transformando em um centro de esperança e diálogo por um planeta mais azul, mais vivo, mais consciente.


Conferência das Nações Unidas para o Oceano

 

Estou acostumada com o vai e vem constante de turistas e a leveza das manhãs que começam devagar entre as bancas do Marché Saleya, onde o colorido das frutas, legumes e flores se mistura à cantoria animada dos comerciantes. Por aqui, os dias costumam ter o ritmo preguiçoso da brisa mediterrânea. Mas, desta vez, tudo mudou, e não foi pouco.

 

De repente, a calmaria deu lugar a uma movimentação intensa, quase coreografada. Como num passe de mágica – ou melhor, de Estado –, a cidade ganhou caras novas. Vieram policiais de todos os cantos da França, civis, militares, de uniforme ou à paisana, tomando posição em cada esquina, em ponto estratégico. Nice, sempre tão aberta, agora exibe quilômetros de alambrados que reorganizam o fluxo da cidade, deixando o trânsito insano.

 

As viaturas, com suas sirenes, cortam o som tradicional das gaivotas e ondas. Pelas avenidas da orla, o cenário se transforma: motos imponentes e seus policiais desfilam em alta velocidade, escoltando chefes de Estado a caminho das conferências espalhadas por toda a cidade. Nice está diferente. Intensa. Solene.

 

Hôtel Negresco

Como cartão-postal absoluto da Riviera Francesa, o luxuoso Hotel Negresco se transformou no palco da abertura da conferência, recepcionando nada menos que oitenta líderes internacionais em um jantar de gala. Sob os holofotes e um rígido esquema de segurança, os anfitriões da noite, Emmanuel Macron e a primeira-dama, Brigitte, deram boas-vindas ao mundo inteiro na charmosa Promenade des Anglais.


Nem preciso dizer que o número de policiais fortemente armados no entorno era, no mínimo, obsceno. O cenário parecia de filme: barreiras, bloqueios, sirenes, homens de preto com fuzis em punho. Passar em frente ao hotel virou quase uma missão impossível, com direito a olhares desconfiados. Mas claro que eu não ia perder. Lá fui eu dar aquela espiada, discreta, porém determinada, mesmo que para isso eu precisasse ser revistada dos pés à cabeça,

 

Um detalhe dessa trama: meu apartamento fica praticamente ao lado do Negresco. Resultado? Para entrar ou sair da minha rua, só com autorização dos policiais. Onde moro virou um labirinto decorado com alambrados, viaturas e olhares atentos. Uma experiência urbana digna de cúpula internacional.

 

Lio Settini

Diante dessa insanidade, uma pausa revigorante para os olhos: com a maestria de seus pincéis, o artista Lio Settini, participante ilustre desse evento, transformou as calçadas em obra de arte. Suas pinturas da vida marinha, de um realismo fascinante, mais pareciam fotografias impressas no chão.

 

Para nós, simples mortais, também não faltaram momentos memoráveis. A cidade se preparou para receber não só os grandes nomes da política mundial, mas o público curioso, apaixonado ou “apenas” encantado com o mar.

 

Ao cair da noite, o céu de Nice se transformou num espetáculo hipnotizante: 2.025 drones dançaram pelo céu, desenhando no ar silhuetas de baleias, águas-vivas, cardumes e outras maravilhas marinhas. Um balé aéreo de luz e tecnologia que fez até os mais distraídos olharem para cima maravilhados como crianças. 

E em uma tarde ensolarada, daquelas que só Nice sabe oferecer, os olhos se voltaram para o mar. A parada de veleiros "Merveilles de l’Océan" cruzou a baía em um desfile de velas, mastros e elegância flutuante. Um tributo poético à vida marítima junto da beleza do vento.


 

Em uma onda de esperança e alerta, ecologistas tomaram a orla com a "Marcha Azul", uma caminhada simbólica que, com cartazes, cantos e presença vibrante, chamou a atenção de todos para a urgente e silenciosa crise que assola os oceanos. Para os mais engajados, palestras e congressos gratuitos abriram espaço para debates e aprendizados, enquanto, do outro lado das barreiras, líderes mundiais discutiam o futuro dos nossos oceanos.

 

Evento das Nações Unidas no quintal de casa? Claro que eu não podia ficar de fora. Garanti logo meu crachá. Porque viver esse momento histórico de tão perto... é o tipo de coisa que não se esquece. Finalmente, o legado de Paul Watson, pioneiro destemido na defesa dos mares, ganha novo fôlego. Fundador da Sea Shepherd, ele liderou ações diretas e ousadas contra a caça ilegal de baleias e a pesca predatória. Proteger os oceanos a qualquer custo não é apenas seu lema, é sua prática – missão de vida que continua a inspirar líderes, ativistas e uma nova geração de defensores ambientais ao redor do mundo.

 

E nunca sua luta foi tão urgente. Nossos oceanos enfrentam uma crise silenciosa, e profunda, e é exatamente isso que está em pauta na Conferência da ONU aqui em Nice. As águas que cobrem mais de 70% do planeta estão sufocadas por toneladas de plástico, produtos químicos e esgoto despejados sem controle. A vida marinha, outrora abundante, hoje se vê cercada por lixo e ameaças invisíveis.

 

A pesca excessiva, muitas vezes feita de forma ilegal e sem regulamentação, está esvaziando os mares, comprometendo ecossistemas inteiros e o sustento de milhões de pessoas que dependem deles. Ao mesmo tempo, o aquecimento global está elevando a temperatura dos oceanos, levando ao branqueamento dos corais, ao deslocamento de espécies e à elevação do nível do mar. Como se não bastasse, o excesso de dióxido de carbono na atmosfera está acidificando essas águas, afetando profundamente moluscos, corais e tantas outras formas de vida.


Pesca em Nice

 

A biodiversidade marinha está em queda livre. Habitats vitais como recifes de coral, manguezais e pradarias submarinas estão desaparecendo diante dos nossos olhos. E, em meio a tudo isso, surge uma questão fundamental: quem cuida do oceano? Como garantir que todos os países, inclusive os mais vulneráveis, tenham acesso justo e sustentável aos seus recursos?

 

Recifes de coral em Nice

No centro de toda essa destruição silenciosa, estão eles, os verdadeiros habitantes dos oceanos: peixes, baleias, golfinhos, tartarugas e tantas outras espécies marinhas estão pagando um preço altíssimo pelas escolhas humanas. Enredados em redes de pesca descartadas em alto mar, intoxicados por microplásticos que invadem seus corpos, sufocados por resíduos tóxicos e poluição sonora. Vivem – e morrem – em um ambiente cada vez mais hostil.

 

As baleias, por exemplo, têm seus cantos abafados pelo barulho incessante de navios e sonares militares, o que desorienta suas rotas migratórias e as afasta de suas crias. Golfinhos e focas, curiosos por natureza, frequentemente se aproximam de embarcações e acabam feridos ou mortos; os peixes são capturados em larga escala, muitas vezes ainda jovens, impedindo a regeneração das espécies. Até os recifes de coral, que abrigam cerca de 25% da vida marinha, estão morrendo diante do aumento da temperatura, da acidificação dos mares e do turismo predatório.

 

Sem mencionar os representantes do luxo e a promessa de aventura em alto-mar: os cruzeiros turísticos estão entre os grandes vilões. Despejam toneladas de esgoto não tratado diretamente no mar, liberam gases altamente poluentes no ar e contribuem significativamente para a degradação da vida marinha e de ecossistemas costeiros sensíveis.

 

A cidade de Nice se transforma num palco global, onde o futuro dos oceanos – e do planeta – está sendo discutido. Os líderes mundiais se reúnem para debater soluções concretas, ampliar áreas marinhas protegidas, fortalecer a cooperação internacional e, acima de tudo, lembrar ao mundo que sem um oceano saudável, não há futuro possível.

 

O sofrimento é real, é silencioso. E, muitas vezes, invisível. Por isso, discutir o futuro dos oceanos é, acima de tudo, falar sobre compaixão, justiça e respeito por todas as formas de vida que neles habitam.




 Crédito Fotos:       

Tartaruga – Geraldine Duke

Barco Pesqueiro – Eike Detmold

Corais - Ellecamp

Demais fotos – acervo pessoal


Consultoria e Revisão: Arthur Barbosa

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